Duas horas à espera de Clarice

A fila estava assustadora. Ia de uma ponta à outra da Estação da Luz. Mas agüentei firme entre centenas de estudantes, turistas e outras figuras que, como eu, esperaram quase duas horas para entrar no Museu da Língua Portuguesa e chegar um pouco mais perto de Clarice Lispector.

O céu nublado e a chuva fina que caía em São Paulo ajudaram a entrar ainda mais no mundo enigmático dessa escritora que comove, surpreende e expõe nossas mazelas, medos e contradições a cada obra. Tive os primeiros contatos com os livros dela há uns dez anos, ainda na faculdade, quando li, de uma só tacada, Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, A hora da estrela (título que dá nome à exposição) e a reunião de crônicas A descoberta do mundo – o melhor dos três, na minha opinião.

"Com perdão da palavra, sou um mistério pra mim"

Embora Clarisse discordasse do rótulo de ‘uma escritora hermética’, a primeira etapa da exposição multimídia nos sugere exatamente isso. Enormes retratos da romancista em preto e branco, estampados em telas de filó, e com trechos de seus livros ao fundo, deixam um clima de mistério no ar.

Em outra parte do percurso, uma gigantesca armação de gavetas embutidas induz a uma interatividade na qual temos acesso a manuscritos originais, cartas trocadas com os amigos Érico Veríssimo e Carlos Drummond de Andrade, com o presidente Getúlio Vargas, além de curiosidades como as carteiras do Sindicato dos Jornalistas do Estado da Guanabara e até um caderno onde a escritora anotava episódios divertidos e espirituosos vividos com os dois filhos.

Mas o clima de intimismo proposto pelos curadores da mostra, Ferreira Gullar e Júlia Peregrino, chega ao ápice quando nos deparamos com um telão exibindo uma entrevista concedida pela romancista em 1977 para um programa da TV Cultura. Sentados ali, frente a frente, poderíamos sentir transcender a tela o cheiro do onipresente cigarro de Clarice. Uma brasileira nascida na Ucrânia e amante da língua portuguesa que dizia sabiamente: "Escrever é uma maldição que salva."

Simplesmente imperdílvel!

Clarice Lispector – A Hora da Estrela
Museu da Língua Portuguesa
Praça da Luz, s/nº (Estação da Luz)
Tel:3326-0775
Terça a domingo, 10h às 18h. Até 2 de setembro

Comentários

Anônimo disse…
Marcelle querida!
Você não imagina o quanto quero ir nesta exposição. Tomara que venha para Rio!
Sou completamente apaixonada por Clarice Lispector!
Ela é sempre tão reveladora, profunda, sensível e ao mesmo tempo, por saber enxergar tão fundo pode até nos fazer doer.
Sabe que tem épocas da minha vida que até evito lê-la porque ela abre e remexe todas as minhas gavetas internas...
Que mulher extraordinária, ela tem o poder de decifrar a nossa alma sem pedir licença!
Adorei a matéria,amiga!! Os seus textos são sempre deliciosos de ler!
beijos e saudades de você!
Beta

Ps: Aguardo sua visita no blog das crianças, tá?

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